Para compreender a afirmação de Lacan, é preciso lembrar que na frase original ele proferiu foi em francês (“Il n’y a pas de rapport sexuel”), e que foi traduzida por alguns autores como “Não há relação sexual”, o analista francês utiliza a palavra rapport. Apesar de ser tradicionalmente traduzida em português por “relação”, na língua francesa, a palavra rapport designa uma relação de complementariedade, de encaixe, onde os elementos são mutuamente proporcionais. Seria esse um encaixe perfeito. Nesse sentido, quando Lacan diz que “não há relação sexual”, o que ele está dizendo é que no campo do amor, não existe relações que se encaixam com perfeição. Em outras palavras, ele queria dizer que não existe pares perfeitos.
Para Lacan, a inexistência da relação sexual significa que não existe, não existirá e nunca existiu uma fórmula mágica para termos relações amorosas harmônicas e plenamente satisfatórias. Dito de outro modo, só se aprende a amar o outro, amando.
A Singularidade do desejo
A imensa maioria dos animais irracionais está submetida a ciclos biológicos afetivo-sexual pré-definidos, mas o mesmo não acontece conosco, pois a ausência um instinto sexual irracional faz com que a nossa maneira de desejar e de amar seja singular. O encontro entre duas pessoas também representa o encontro de dois mundos completamente diferentes, e que não foram moldados ao longo da vida para se completarem, e dessa forma o encaixe se torna impossível, e porisso é necessário antes de mais nada, “decidir amar”, para começar a aprender a melhor forma de se adaptar ao outro.

Sim, o amor é uma grande decisão
É preciso desconstruir a idéia de que o amor entre duas pessoas possa ser algo instantâneo, pois o amor é um sentimento a ser aprendido e construído, e apenas a partir de uma decisão é possível alcançar esse saber do outro, ou seja como amar o outro.
Amor é algo que se constrói com o tempo, é algo que parte do momento que por alguma razão “decidimos” amar alguém. Na verdade o amor é um conjunto de decisões diárias que vão dando forma e firmeza ao relacionamento do casal. Assim como um grande contrato empresarial onde os sócios, decidem dar volume, colocar em prática tudo que sabem e sonharam algum dia em prol de um objetivo comum (visar lucros). Decidir amar também implica em riscos e retornos.
Sim, para quem decide amar, o amor oferece riscos, assim como descreveu sobre o autor Khalil Gibran no poema:
O amor
“Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino”.
Mas para quem decide amar, o amor também oferece retornos e crescimento em geral.
Recomendação de Livro
Para os amantes da leitura, e que se interessam pelo tema na visão de Lacan, recomendo o livro: “ Não há relação sexual”
É importante saber:
Em “O aturdito”, publicado originalmente em 1973 e considerado um dos textos mais complexos e importantes de Lacan, o mestre francês expõe alguns conceitos essenciais de sua obra, entre os quais a famosa fórmula “não há relação sexual”. O filósofo Alain Badiou e a filóloga e também filósofa Barbara Cassin se apropriam desse curto ensaio para pensar “com” ele, oferecendo duas leituras cujo eixo é o saber. Seguindo a trilha de pensamento apontada por Lacan, os autores se detêm em temas como os paradoxos da linguagem, o real e o inconsciente.
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Gratidão aos alunos do curso de Formação em Psicanálise Clínica, Formação de Mestres em Psicanálise Clínica, Pós Graduação em Psicanálise EaD e Doutorado em Psicanálise, e a todos os nossos seguidores.
Rosemeire Valéria Araujo